sexta-feira, 7 de agosto de 2009

OFICINA DE LEITURA E ESCRITA

Gostaria de compartilhar uma experiência profissional que culminou na criação da técnica denominada Oficina de Leitura e Escrita (OLE) , e tema da minha dissertação de mestrado.
A OLE é uma técnica da Psicopedagogia que utiliza como instrumento principal a narrativa como função terapêutica.
Esta oficina terapêutica atualmente é utilizada numa população que apresenta processos patológicos regressivos com uma desestruturação psicótica ou neurótica, a qual há perdas de conteúdos adquiridos ou uma reestruturação numa categoria abaixo de sua idade e/ou nível de desenvolvimento psicológico.
A narrativa é mobilizadora de aspectos das diferentes instâncias psíquicas do sujeito, atingindo tanto o consciente como o inconsciente isto é, todo o aparelho psíquico, ajudando na elaboração de seus conflitos.
Gilberto Safra em seu trabalho de consulta terapêutica através do uso de estórias infantis utiliza os contos como veículo interpretativo auxiliando a criança na elaboração de seus conflitos.
Os mitos têm um apelo maior ao id, já as fábulas atingem principalmente o superego, e os contos acessam todo o aparelho psíquico.
Walter Benjamim refere que nos contos o extraordinário e o miraculoso são narrados com a maior exatidão, mas o contexto psicológico da ação não é imposto ao leitor. Ele é livre para interpretar a história como quiser.
Nesta ocasião a obra utilizada era ¨Marcovaldo ou as estações na cidade¨ de Italo Calvino, que consiste numa série de vinte contos urbanos protagonizados por Marcovaldo um operário que busca na cidade encontrar a natureza.
A técnica consiste em: preparação da sala deixando a disposição lápis, apontadores e folhas pautadas; após a reunião do grupo de participantes, passa-se a apresentação da OLE; leitura do conto pelo coordenador; leitura do conto por qualquer componente do grupo que manifeste o desejo em fazê-lo ; simultaneamente à leitura os participantes são estimulados a escrever livremente o que desejarem e da forma que entenderem os conteúdos do texto; leitura da produção escrita pelos componentes do grupo; e comentários gerais.
Como exemplo da função terapêutica da narrativa, apresentarei o caso de Amarillis (nome fictício), uma jovem de 20 anos quadro compatível de transtorno depressivo moderado.
Os dados coletados em sua admissão dão conta de um namoro contra a vontade de sua mãe e que há aproximadamente cinco meses Amarillis sofreu um abortamento espontâneo que desencadeou numa tristeza intensa, perda de atividade, queda de apetite chegando a perder cinco quilos em três meses, insônia, diminuição da libido, vontade de morrer e tentativa de suicídio.
Vejamos alguns trechos de sua produção escrita durante os grupos que participou:
- Marcovaldo passando na rua a caminho de seu emprego, avista um bando desses pássaros, tomado por isso se dispersa de seu caminho fazendo assim um guarda corrigi-lo pelo erro que ali cometia. Ao voltar para sua casa empenhou-se a caçar de forma obviamente errada, e sem pensar nas reações que sua ação causaria.
Neste trecho observaremos que Amarillis enfoca a dificuldade que Marcovaldo tem em contato com suas obrigações se dispersa do caminho ao emprego. E de usar o ego como mediador entre desejo e realidade sem pensar nas reações que sua ação causaria uma preponderância do superego.
Em outra estória destaca-se outros trechos.
- Sem exitar continua a comparar a sua rotineira vida as maravilhas que seus olhos podia notar em relação à natureza.
- Cansado da rotina resolveu então provar de tudo aquilo que seus olhos o mostrava.
Nestas frases percebemos a presença de conflito entre o id e o superego no contexto psicológico de sua narrativa, comparando as maravilhas da natureza com a rotineira vida de Marcovaldo, e que o ego apresenta dificuldade em fazer a mediação entre ambos o que em psicopatologia é característico de neurose.
Outro trecho destaca o conflito que citamos:
- Talvez Marcovaldo não encontrará dentro de si paz para realmente apreciar o que lhe fazia bem.
A paz aqui mencionada foi interpretada como sendo a necessidade de mediação pelo ego para diminuir as angústias advindas do conflito apresentado.
Amarillis apresenta em sua produção desfechos para os contos narrados, analisaremos alguns:
1º Desfecho:
Mais tarde chegam as respostas das besteiras que ele havia causado, pessoas inocentes caíam em sua armadilha. E mais uma vez se dá mal, pegou nada mais nada menos que pombos de cidades que lhe causaram uma enorme indigestão.
2º Desfecho:
Por esse fato todos os que colheram precipitadamente tiveram de pagar pelo erro de ter ingerido os cogumelos.
Daí vem à lição que ganância misturada com falta de conhecimento traz mais tarde reações das quais deixam as pessoas se arrependerem de seus atos.
Como já foi destacado no início uma das características da narrativa é a falta de imposição do contexto psicológico do narrador e este foi um dos motivos para a escolha de contos.
Amarillis transforma os contos em fábulas que são estórias que têm um forte apelo ao superego sugerindo uma reflexão ou verdade de origem moral.
Sua narrativa apresenta um auto-retrato psicológico:
O conflito entre o desejo de uma relação amorosa e a tentativa de interdição pela mãe, a gravidez resultado dessa relação interrompida por um aborto espontâneo trazendo a culpa disparadora da crise depressiva e tentativa de suicídio com os remédios da mãe.
Suas fábulas nos parecem ser a expressão de um momento de reflexão de toda a situação por ela vivida neste período.
Assim, para encerrar gostaria de apresentar mais um desfecho de Amarilis em busca da solução de seus conflitos:
- Então amanhece e ele se depara com a velha rotina que o lembrava que já era hora de começar tudo de novo.
E uma citação de Walter Benjamin que além de técnica é principalmente poética.
"A narrativa não está interessada em transmitir o puro em si da coisa narrada como uma informação ou um relatório. Ela mergulha a coisa na vida do narrador para em seguida retirá-la dele. Assim se imprime na narrativa a marca do narrador, como a mão do oleiro na argila do vaso”.