quinta-feira, 20 de junho de 2013

ATO MÉDICO: REGULAMENTAÇÃO OU RESERVA DE MERCADO?

Dr. Raphael Ferris, Fisioterapeuta
Texto retirado da Edição 109º da Revista FisioBrasil

Os dez anos de tramitação do projeto no Congresso (2002-2012) revelam a dimensão das disputas em torno da matéria que determina quais atos são privativos da classe médica. Os Conselhos Federais e Regionais de Medicina foram criados em 1951 por força de uma lei federal, e demonstram que a regulamentação da profissão é um direito dos médicos. Porém as reivindicações deixam claro uma briga de mercado, na tentativa de bloqueio corporativista contra o crescimento das outras profissões e não a favor da medicina. Seria realmente plausível essa “regulamentação”? O Ato Médico, como é conhecido a PL nº 268/2002, estabelece uma hierarquia entre a medicina e as outras profissões da área da saúde, condicionando o médico como autoridade no acesso aos serviços de saúde.

Hoje existem 14 profissões na área da saúde no Brasil, todas com sua devida autonomia regulamentadas, em seus códigos de ética e conselhos afins. Com a aprovação deste projeto de lei todas as demais profissões perderão tal autonomia em avaliar e promover o tratamento adequado ao paciente, dentro de suas designações previstas pela constituição, sem interferir ou ferir as regulamentações das outras profissões da saúde. Assim as 14 classes diferentes de profissionais da saúde ficariam submissas ao um único profissional, o médico, o que desfavorece a integralidade dos diagnósticos, que serão prescritos por somente um profissional e dificulta o acesso do usuário/paciente aos recursos de prevenção, promoção e recuperação da saúde. Esse projeto de lei iniciou-se no Senado com a identificação PL nº 268/2002, de autoria do Senador Benício Sampaio. Em dezembro de 2006 o projeto foi aprovado no Senado e remetido à Câmara dos Deputados. Já em outubro de 2009 foi aprovado um projeto substitutivo na Câmara. Na data de 25/04/2012 foi realizada, pela Comissão de Educação, uma Audiência Pública para instruir o presente projeto, com os representantes: do Conselho Federal de Psicologia – CFP, Roberto Mattar Cepeda, o Presidente do Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional – COFFITO, Silvio José Cecchi, o Presidente do Conselho Federal de Biomedicina – CFBM, Antonio Augusto Fonseca Garcia, o Assessor do Conselho Federal de Nutricionistas – CFN, Antônio Marcos Freire Gomes, o Primeiro Tesoureiro do Conselho Federal de Enfermagem – COFEN, Salomão Rodrigues Filho, e o Coordenador da Comissão do Ato Médico do Conselho Federal de Medicina – CFM e após a audiência o projeto de lei retornou ao gabinete do Senador Cássio Cunha Lima, para prosseguimento de sua tramitação. Com a articulação do PL ato medico, criou-se a necessidade do surgimento de idealistas e ativistas precursores de uma nova política pública, pois este projeto visa criar uma reserva de mercado, de regime fechado, corporativista, onde certamente reduzirá o campo cientifico e de atuação das demais profissões. No SUS, por exemplo, crescerá ainda mais o número nas filas de espera, terapias medicamentosas e exames laboratoriais. Além disso, com a aprovação do PL na forma como está atualmente, cria-se um forte vinculo e “necessidade” de médicos nas clínicas de Fonoaudiologia, Fisioterapia, Nutrição, Psicologia e outras profissões, de forma a esquentar a política de convênios.

Em entrevista, o até então presidente do CFM, Roberto d’Ávila, faz uma crítica sobre a atuação da psicologia:

“[...] não podem e querem fazer o mesmo que o psiquiatra faz. Isso não pode acontecer. O curso de psicologia é um e o para ser psiquiatra tem que ser médico. Então são formações completamente diferentes [...]”.

Fonte: Jornal do Brasil On line.

Pois bem, como prescrever ações adequadas sendo formações completamente distintas?

O campo de conhecimento na área da saúde é vasto, um profissional teria que estudar cerca de 60 anos para obter a formação necessária para aplicar toda terapêutica. Através disso, existe o núcleo de conhecimento que é a especificidade de cada profissão, por exemplo, na Fisioterapia, a especificidade é a promoção, prevenção e reabilitação, já a especificidade do médico é diagnosticar a doença. Ao ler a PL do ato médico percebemos que a proposta é submeter todos os núcleos de conhecimento, ou seja, as especificidades ao poder do médico. Ninguém quer fazer o que é obrigação do médico, só queremos ter a nossa autonomia respeitada.

No dia 30 de maio de 2012, em Brasília foi realizado a “Manifestação no Senado contra o Ato Médico”, com organização dos conselhos das profissões: Biomédicos, farmacêuticos, enfermeiros, psicólogos, nutricionistas, fisioterapeutas, odontólogos, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais, biólogos e outros profissionais da saúde, reunindo mais de 1000 manifestantes, entre acadêmicos, profissionais e representantes dos conselhos, que criticam o seguimento do projeto.

Isso ressalta a importância do desenvolvimento político da sociedade, pois é preciso acreditar que podemos ser um país não apenas do futebol, mas também com investimentos significativos na educação, o que certamente nos traria frutos inimagináveis e benéficos para nação, mas deve-se cobrar, deve-se agir, deve-se conhecer. Identificar falhas nas políticas públicas não resolverá os problemas que nos cerca, a mobilização social frente às adversidades é o golpe mais preciso aos atentados políticos que sofremos.

No SUS, por exemplo, foi criada ao longo dos anos uma fábrica que cura doenças, onde a falha de prevenção, investimentos, conscientização e indicação para os tratamentos causaram uma demanda descabida de exames laboratoriais e uso de medicamentos. Qual seria o motivo para que não se crie campanhas preventivas de saúde? Uma das respostas vem acompanhada com uma crescente massa consumista de uma saúde suplementar (ANS), como os convênios médicos, que, por insatisfação dos usuários do SUS (que paralelamente pagam o serviço público), alcançam um mercado cada dia maior.

Como forma de garantir a efetividade das políticas públicas de saúde e como via de exercício do controle social, existem canais de participação popular na gestão do SUS, em todas as esferas, municipal, estadual e federal, onde todos enquanto cidadãos deverão brigar por essa ação. A gestão brasileira do SUS é copiada por outros países que oferecem uma qualidade incomparável de saúde. Por que não aderimos essa qualidade?

O Ato médico é uma ação inconstitucional, privar o direito da população em escolher o profissional e o tratamento adequado é insano e antiético, além de
desvalorizar as profissões da saúde, os direitos da sociedade, da saúde pública e da educação.

Nenhum comentário:

Postar um comentário